A publicação da Lei nº 13.988/2020 pode ser uma oportunidade para os contribuintes

Apesar de não ser uma medida pensada apenas para o cenário provocado pela covid-19, a publicação da Lei nº 13.988/2020 – que regula a transação tributária – pode, de fato, ser uma oportunidade para os contribuintes.

Ocorre que no último dia 16 de abril, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicou a portaria nº 9.924, que regulamenta a transação extraordinária de débitos federais inscritos em dívida ativa em função dos efeitos da pandemia causada pelo coronavírus.

A principal pergunta que nos fizemos foi se a medida é, de fato, extraordinária e traz consigo uma série de benefícios adicionais para os contribuintes, ou se o seu caráter “extraordinário” tem relação apenas com o momento atual.

Neste contexto, para atualizar e orientar o leitor sobre o assunto, apresentamos a seguir os seus principais pontos.

O QUE É TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA E QUAL SUA DIFERENÇA PARA O PARCELAMENTO

A transação é uma modalidade de acordo ou negociação em que as partes realizam concessões mútuas para extinção da obrigação. É um instituto muito utilizado no Direito civil, em que as partes estão em igualdade de condições, mas, como já mencionado, não tão comum no Direito tributário.

A transação tributária, nesse sentido, é baseada em medidas que as partes – seja o ente tributante ou o contribuinte – aceitam que a obrigação tributária seja extinta de acordo com os termos acordados. O parcelamento é uma modalidade de transação, visto que altera a forma de pagamento dos débitos tributários, que seriam eventualmente pagos em uma parcela única, para uma nova alternativa: o pagamento em diversas prestações.

QUAL A ORIGEM DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

A transação tributária é um assunto antigo no Direito tributário, apesar de ser considerada uma medida totalmente ineficaz em um passado recente. O instituto (da transação tributária) está previsto no Código Tributário Nacional (CTN) há anos, porém nunca foi regulamentada.

Esse cenário resultou na edição da Medida Provisória (MP) nº 899/2019 – chamada MP do Contribuinte Legal – que pode ser considerada a primeira tentativa de regulamentar o instituo. Após o trâmite legislativo, a MP do Contribuinte Legal foi convertida na Lei nº 13.988/2020, publicada no último dia 14. Dessa forma, a transação tributária não mais se resume a uma previsão sem utilização do CTN, mas passa a ser um instituto regulamentado por lei e portaria editada pela PGFN.

O QUE FICOU INSTITUÍDO EM RELAÇÃO À TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

Com a publicação da Lei nº 13.988/2020, a transação tributária poderá ocorrer em três modalidades:

– por proposta individual ou adesão, na cobrança de débitos inscritos em dívida ativa ou na cobrança de débitos de competência da Procuradoria-Geral da União;

– por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário;

– por adesão, no contencioso tributário de pequeno valor.

Sob o ponto de vista prático, a grande diferença das modalidades é a forma com que o contribuinte poderá aderir à transação.

Na modalidade individual, a proposta de transação poderá ser feita tanto pelo contribuinte quanto pelo ente público.

Essa modalidade será pautada em uma maior subjetividade, visto que será feita com base em documentação ou em cenário específico que condicione a possibilidade de transação.

Já na modalidade por adesão, é possível pensar – analogicamente – em um Refis. Nesta modalidade de anistia tributária, o governo lista os requisitos que deverão ser cumpridos, como data do fato gerador, tipo de tributo e valor envolvido. Caso o contribuinte preencha tais requisitos, poderá aderir à anistia. A transação por adesão também funcionará nesses termos: desde que cumpridas as exigências propostas, o contribuinte poderá aderir.

REGULAMENTAÇÃO DA TRANSIÇÃO TRIBUTÁRIA

A PGFN publicou, no dia 16 de abril, duas portarias sobre o assunto. A portaria de nº 9917/2020 regulamenta a transação de débitos federais inscritos em dívida ativa, chamada transação ordinária. Também foi publicada a portaria nº 9924/2020 que aborda especificamente a chamada transação extraordinária, decorrente da pandemia de covid-19.

A ADESÃO DO CONTRIBUINTE À TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

Até o momento, a PGFN liberou as modalidades de transação por adesão para débitos com mais de 15 anos – os chamados débitos de difícil recuperação – e a transação extraordinária. Em ambos os casos é possível aderir à transação diretamente no site da PGFN, com acesso pelo certificado digital do contribuinte.

Já a modalidade individual, por iniciativa do contribuinte, está em vigor mediante apresentação de plano de recuperação fiscal no domicílio da PGFN do contribuinte. Ou seja, diferentemente da modalidade por adesão, o contribuinte deverá formalizar o pedido perante a PGFN e juntar a documentação listada na portaria nº 9917/2020.

VEDAÇÕES PARA ADERIR À TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

Apesar da possibilidade de adesão ser ampla, a própria Lei nº 13.988/2020 dispõe vedações para a adesão como a inclusão de multas de natureza penal, a concessão de descontos a créditos decorrentes do FGTS, enquanto não for autorizado pelo Conselho Curador e a inaplicabilidade da medida para devedor contumaz, definido nos termos de lei específica.

Além disso, há expressa vedação a concessão de descontos para débitos advindos da apuração do Simples Nacional. Entretanto, essa vedação está vinculada à necessidade de edição de lei complementar autorizativa. Provavelmente essa norma será editada em breve com adições à Lei Complementar nº 123/2006, que versa o Simples Nacional. Até que isso ocorra, não é possível que as sociedades optantes pelo Simples Nacional transacionem seus débitos.

OS BENEFÍCIOS DA TRANSAÇÃO EXTRAORDINÁRIA

A transação extraordinária, decorrente da pandemia do novo coronavírus, é uma modalidade adicional de parcelamento. Nela, o contribuinte concorda em pagar uma entrada correspondente a 1% do valor do débito em até três parcelas e dividir o restante em até 81 meses. No caso da pessoa física, empresários individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino e outras modalidades previstas na portaria, o débito poderá ser dividido em até 142 parcelas.

Tal qual como ocorre com os programas de anistia federal, o contribuinte que aderir à transação tributária deverá renunciar a qualquer matéria de direito sobre o débito, bem como impugnações, recursos e ações judiciais. A grande vantagem desse benefício, especialmente em comparação ao parcelamento ordinário, é o prazo de pagamento, uma vez que este último prevê o prazo máximo de 60 parcelas.

ASPECTOS NEGATIVOS DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA

Em termos gerais, não há igualdade ou equilíbrio entre as partes que estão transacionando (PGFN e contribuintes), e isso fica bem claro nas propostas de transação na modalidade individual. A redação da portaria nº 9917/2020 lista um rol extenso de documentação que deverá ser apresentada pelo contribuinte que deseja transacionar com a PGFN, além de plano de recuperação fiscal em que será demonstrada, em síntese, a capacidade do contribuinte de adimplir a transação proposta.

Apesar de entendermos o sentido dos pedidos feitos pela Fazenda Pública, também vemos os pedidos como exagerados e até abusivos em alguns pontos. Um desses exemplos está na necessidade do contribuinte “declarar que não alienou ou onerou bens ou direitos com o propósito de frustrar a recuperação dos créditos inscritos ou reconhecer a alienação ou oneração com o mesmo propósito” para apresentação da proposta de adesão individual.

A fraude na execução fiscal – descrita na declaração em questão – está prevista na legislação brasileira (artigo 185 do CTN) como passível de responsabilização por seus próprios meios. Porém, ao exigir uma declaração dessa natureza, o contribuinte poderia até mesmo estar criando uma prova que poderá afetá-lo em seu direito de defesa no futuro.

O que se nota é que a PGFN tem total controle e poder de decisão para definir as transações. De um lado, a modalidade por adesão é exclusiva da própria PGFN; do outro, quando a proposta é feita pelo contribuinte, a decisão de transacionar será feita com amparo em uma série de documentos, que estarão sujeitos a uma análise subjetiva da Procuradoria.

Tal qual nova medida, ainda é preciso analisar no cenário prático quais serão as implicações da transação tributária com a PGFN. Em um primeiro momento, pode-se dizer que a modalidade por adesão, tal qual a extraordinária, ainda é mais benéfica por ter maior similaridade com os parcelamentos e anistias federais já instituídas no passado.

Quanto à transação individual, teremos que aguardar e ver como será o tratamento da PGFN para determinar com clareza se essa medida veio realmente para facilitar a relação entre Estado e contribuintes – ou se estamos de volta à ineficácia da transação, tal quando se tratava apenas de dispositivo do CTN.

*Colaborou Júlia Barreto, advogada associada do escritório Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.

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