No final de 2019, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou a Instrução Normativa nº 617, que traz novas diretrizes à prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLDFT) no âmbito do mercado de valores mobiliários.
A Instrução se aplica a pessoas físicas ou jurídicas que prestem serviços relacionados a custódia, intermediação ou administração de carteiras, entidades administradoras de mercados organizados e de infraestrutura do mercado financeiro e outras pessoas que prestem serviços no mercado de valores mobiliários, tais como, escrituradores, consultores de valores mobiliários, representantes de investidores não residentes, dentre outros.
As entidades que não possuam relacionamento direto com clientes deverão identificar, analisar, compreender e mitigar os riscos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo inerentes às suas atividades desempenhadas, a fim de adequarem suas políticas e atividades aos requisitos de combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.
As novas regras da Instrução entrarão em vigor em 1 de julho de 2020. Todavia, em função da abrangência das mudanças, conforme será comentado adiante, é recomendável que os agentes regulados se adiantem na adaptação ao novo cenário.
De acordo com nota explicativa da CVM à Instrução 617, o principal objetivo da nova norma é modernizar a regulação do mercado de valores mobiliários brasileiro, no tocante à prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, alinhando as normas brasileiras às diretrizes dos organismos internacionais que lidam com essa questão.
O impacto mais significativo da Instrução é, certamente, a criação de uma “abordagem baseada em risco” como principal ferramenta de combate à lavagem de dinheiro, juntamente com a exigência de que todas as regras, procedimentos e controles internos relacionados à Instrução sejam escritos, passíveis de verificação e estejam disponíveis para consulta da CVM.
A utilização de uma abordagem baseada em risco para combate à lavagem de dinheiro significa que, em conformidade com regras, procedimentos e controles internos previamente estabelecidos, quanto maior for o risco de que uma operação ou agente estejam envolvidos em atividades relacionadas à lavagem de dinheiro ou financiamento de terrorismo, maior deverá ser a diligência, controle e monitoramento feitos pelo agente regulado relativamente a tais clientes ou operações.
Vale lembrar que, anteriormente à nova Instrução 617, o procedimento de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo poderia ser uniforme a todos os clientes, o que, de certa forma, facilitava enormemente a aplicação de tais políticas por parte dos agentes regulados.
Nesse sentido, com a abordagem baseada em risco, o grau de responsabilidade e dever de diligência dos agentes regulados se torna substancialmente maior, uma vez que não será mais possível aplicar um procedimento igual e inalterado a todos os clientes, devendo o agente regulado manter o monitoramento constante de seus clientes e operações, sob pena de incorrer em descumprimento da Instrução 617.
A nova norma também trouxe definições mais concretas acerca da política “conheça seu cliente”, conhecida no mercado como know your client (KYC). Em resumo, seu objetivo central é assegurar o conhecimento da real identidade do beneficiário de uma transação, independentemente da existência de veículos ou pessoas intermediárias.
A partir da entrada em vigor da Instrução 617, as políticas KYC deverão adotar pelo menos as seguintes etapas:
- identificação do cliente, com objetivo de assegurar o conhecimento de sua real identidade;
- verificação contínua das informações cadastrais, proporcionalmente ao risco de utilização dos serviços e produtos para a lavagem de dinheiro;
- condução de diligências devidas; e
- processo de identificação do beneficiário final da transação.
No contexto uma abordagem baseada em risco, os processos de identificação do cliente também passarão pela validação das informações por ele fornecidas e classificação dos clientes ativos por grau de risco da prática de prática de atividades de lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo.
Dentre os aspectos que devem ser identificados pela entidade regulada, ressaltamos a preocupação da norma com a evidenciação de transações realizadas por pessoas politicamente expostas – seja diretamente ou através de sociedades controladas –, bem como a ocorrência de transações lastreadas no uso de informações privilegiadas (insider trading).
Apesar do enorme desafio que os agentes regulados do mercado de valores mobiliários terão na implementação e execução das novas diretrizes de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, a atualização trazida pela nova Instrução 617 é inquestionavelmente positiva, num contexto de alinhamento do Brasil às melhores práticas e diretrizes internacionais.
Além disso, há um potencial ganho intangível, relativo à criação de um ambiente mais adequado aos requisitos de compliance e governança de fundos e investidores estrangeiros, os quais representam importante vetor de crescimento do mercado de valores mobiliários.
Fonte: Legislação & Mercados (Capital Aberto)