A inclusão de cláusulas compromissórias arbitrais em contratos está se tornando cada vez mais comum

Com a disseminação da arbitragem e sua ampla adoção em diversos setores e matérias empresariais, tem sido cada vez mais comum ver partes solicitando — e advogados recomendando — a inclusão de cláusulas compromissórias arbitrais em seus contratos. Já tivemos a oportunidade de discutir no Legislação & Mercados alguns aspectos sobre quando utilizar essa cláusula. O instrumento possui vantagens e desvantagens que precisam ser analisadas à luz de cada contrato.

Por vezes, a opção pela arbitragem é feita sem a devida reflexão, resultando em situações inusitadas. Um exemplo claro disso ocorre quando as partes se vêem obrigadas a solucionar disputas simples e de pequena monta por meio de procedimentos proporcionalmente caros, que poderiam ser melhor tratados por outros meios de solução de conflitos. A mediação empresarial, os dispute resolutions (ou dispute recomendation boards) e o próprio Poder Judiciário — notadamente com a celebração de negócios jurídicos processuais que facilitem o procedimento — são alguns exemplos.

Feita a opção de forma consciente e ponderada pela arbitragem, é preciso instrumentalizá-la adequadamente. Para isso, elencamos oito pontos cruciais para se convencionar a arbitragem de forma segura.

REDAÇÃO DE CLÁUSULAS ARBITRAIS “CHEIAS”

Cláusulas arbitrais “cheias” são aquelas em que as partes acordam sobre a forma de instituição da arbitragem. Nelas, há prévia definição sobre o número de árbitros que irão compor o painel arbitral e o método de sua indicação. De acordo com o artigo 5º da Lei de Arbitragem, as cláusulas “cheias” são auto exequíveis — isso significa que a parte interessada pode iniciar um procedimento arbitral sem o apoio do Poder Judiciário.

Por sua vez, as cláusulas ditas “vazias” não preveem diretrizes suficientes para viabilizar o início de uma arbitragem e demandam um processo judicial prévio para preencher esse ajuste. Naturalmente, esse procedimento judicial prévio pode levar anos e compromete significativamente a eficiência do procedimento arbitral.

REDUZIR OS RISCOS QUE POSSAM COMPROMETER A VALIDADE DA ARBITRAGEM

A Lei de Arbitragem não impõe muitos requisitos à cláusula arbitral. Em regra, desde que as partes tenham manifestado por escrito seu interesse em submeter suas disputas à arbitragem, a vontade exprimida será válida. Entretanto, as discussões concretas sobre a validade de determinada cláusula ou arbitrabilidade de certa disputa podem ser significativamente complexas e demandar meses — ou mesmo anos — de procedimento para serem solucionadas. Por essa razão, recomenda-se adotar uma postura conservadora ao redigir a cláusula arbitral, evitando-se disposições que possam levar à nulidade e mitigando os seus focos de risco.

Contratos de franquia, por exemplo, ainda suscitam grandes controvérsias quanto à sua natureza paritária ou adesiva. De acordo com o parágrafo 2º do artigo 4º da Lei de Arbitragem, as cláusulas arbitrais inseridas em contratos de adesão devem cumprir requisitos específicos para terem eficácia plena. Por conta disso, é recomendável estruturar a cláusula arbitral em conformidade com esses requisitos especiais para mitigar as chances dela se tornar ineficaz caso o painel arbitral entenda estar diante de um contrato de adesão.

CLAREZA QUANTO À OPÇÃO PELA ARBITRAGEM

Um dos erros mais recorrentes é a falta de clareza da cláusula arbitral. Ela deve empregar linguagem objetiva para afastar qualquer dúvida quanto à eficácia vinculante da opção pela arbitragem, sob pena de abrir margem para discussões quanto à real vontade das partes ou — pior — dar azo à invalidação da sentença arbitral posteriormente perante o Poder Judiciário.

Exemplo disso foi o caso Graal, em que as partes passaram anos discutindo, perante o Poder Judiciário, se o contrato que celebraram conteria ou não cláusula arbitral. Tudo isso por conta de uma redação lacunosa do item 11.8 do contrato: nele, estava previsto que “as dúvidas ou divergências surgidas deste acordo de acionistas, deverão ser resolvidas por mediação ou arbitragem”.

CUIDADO COM A LIMITAÇÃO DE ESCOPO DAS CLÁUSULAS ARBITRAIS

A limitação do escopo da arbitragem também merece cuidado. Os custos elevados de um procedimento arbitral têm levado à redação de cláusulas com escopo reduzido ou limitado. Por vezes, as partes convencionam critérios como valor envolvido, matéria ou pedido específico para submissão de terminada disputa à arbitragem. Um exemplo disso são os contratos de partilha de produção da ANP (Agência Nacional de Petróleo), que submetem matérias específicas.

Os riscos decorrentes são as próprias discussões em torno da aplicação de tais critérios. O processo judicial pode ser extinto em decorrência do entendimento de que há cláusula compromissória — e o procedimento arbitral pode ser interrompido pelo entendimento contrário, o que revela verdadeira no-win situation. Com efeito, cria-se entraves à jurisdição arbitral, restringe-se a utilização de fundamentos e, em algumas situações, leva à fragmentação das pretensões perante o Poder Judiciário.

SELEÇÃO DA CÂMARA DE ARBITRAGEM ADEQUADA

Assim como a futura escolha dos árbitros, a seleção da câmara de arbitragem é de fundamental importância para que os meios de disputa sejam adequados ao seu resultado. Cada câmara possui regulamentação própria no tocante a matéria, tipos de procedimentos e árbitro de emergência (dedicado a decisões urgentes, de cunho liminar). Naturalmente, cada uma dela adota seu próprio modelo de precificação e cobrança da taxa de administração e dos honorários de árbitros. Por exemplo: os custos de uma câmara X podem equivaler a metade dos custos de uma câmara Y para determinada faixa de valor em disputa e, para outra faixa de valor, um preço consideravelmente maior. É importante ponderar se o perfil e custos da câmara escolhida são adequados às possíveis disputas que poderão surgir no futuro.

REDAÇÃO DE CLÁUSULAS ARBITRAIS COMPATÍVEIS ENTRE SI

Alguns negócios demandam mais de um instrumento contratual para regular os direitos e obrigações como um todo. Operações de M&A, por exemplo, envolvem uma série de documentos: acordo de confidencialidade, memorando de entendimentos, contrato de compra e venda de ações, termo de fechamento, acordo de quotistas ou acionistas, etc. Como se trata de instrumentos coligados, caso a cláusula arbitral não seja muito bem estruturada, a existência dessa multiplicidade de contratos pode comprometer — ou mesmo inviabilizar — a instauração do procedimento de arbitragem. Isso é especialmente comum quando as cláusulas inseridas nesses documentos se revelam incompatíveis umas com as outras. Por vezes, as partes elegem câmaras de arbitragem diferentes em cada contrato, ou não mantêm consistência quanto ao número de árbitros que comporão o painel arbitral. Em outros casos, as partes se esquecem de incluir uma convenção de arbitragem em contratos subsequentes, gerando dúvidas quanto à extensão da cláusula arbitral.

PECULIARIDADES DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS

A cláusula arbitral tem especial relevância no contexto do comércio internacional e das operações envolvendo partes domiciliadas em países diferentes. Além de oferecer um foro “neutro” para solucionar suas disputas, a arbitragem oferece instrumentos extremamente atrativos para os contratos internacionais, como a possibilidade de escolher a lei de regência do contrato e uma maior facilidade em executar a sentença no exterior. Todavia, para se extrair o máximo de proveito desses atrativos especiais, é preciso redobrar a cautela ao redigir a cláusula arbitral.

A definição da sede da arbitragem torna-se especialmente relevante, pois a maioria dos ordenamentos jurídicos define a nacionalidade da sentença arbitral com base nela. Como regra, o ideal é fixar a sede no local onde a decisão terá de ser cumprida, para evitar a necessidade de homologação da sentença. Se a decisão precisar ser cumprida em mais de um país, recomenda-se que a cláusula arbitral seja estruturada em conformidade com as normas legais de todos eles, porque há normas internacionais de validação.

Deve-se também dedicar especial atenção à seleção do direito aplicável ao contrato. Em contratos internacionais, é comum que as partes façam apenas uma referência vaga às “normas do comércio internacional” ou “práticas internacionalmente aceitas”. Essa indefinição compromete a solução da controvérsia e pode resultar em consequências inesperadas, a depender do que o painel arbitral entender serem as “práticas internacionalmente aceitas”.

ELEIÇÃO DE FORO JUDICIAL

É bastante comum que as partes precisem acionar o Poder Judiciário antes ou depois da instauração do painel arbitral. Por essa razão, além da própria cláusula arbitral, é de grande valia eleger no mesmo contrato o foro judicial em que deverão ser feitos determinados pleitos, como decisões liminares (tutela provisória pré-arbitral), cumprimento forçado de sentença arbitral (ação de execução) e, eventualmente, invalidação do procedimento arbitral (ação anulatória de sentença arbitral).

*Colaborou Bruno Viana, associado do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.

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