A exclusão do ICMS sobre na base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins foi alvo de uma grande discussão

Não é novidade que uma grande discussão foi iniciada anos atrás a respeito da exclusão do ICMS sobre na base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins.

O núcleo da discussão dizia respeito, basicamente, à subsunção do imposto estadual ao conceito de receita ou faturamento, definido pela legislação tributária como a base de cálculo das contribuições sociais[1].

Após décadas de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o assunto parecia ter sido finalmente resolvido de forma definitiva com o julgamento do recurso extraordinário (RE) 574.706. A decisão do STF, no sentido da impossibilidade de inclusão do ICMS, foi proferida sob o rito da repercussão geral – ou seja, sua aplicação deve ser estendida a todos os casos que versem sobre o tema, e não apenas ao caso analisado.

Transcorridos mais de dois anos do julgamento do RE 574.706, a desejada e esperada pacificidade da discussão em comento, contudo, está longe de ser alcançada.
Após a publicação da decisão que excluiu o imposto da base de cálculo do PIS/Cofins, a Fazenda Nacional apresentou embargos de declaração requerendo, dentre outras questões, que o STF se manifeste sobre a modulação dos efeitos da decisão e decida qual a parcela do ICMS deve ser excluída da base de cálculo das contribuições.

O julgamento dos embargos de declaração estava marcado para o último dia 5 de dezembro. No entanto, a apreciação do recurso foi retirada da pauta do STF e reagendada para o dia 1º de abril de 2020.

A princípio, a lentidão do STF em apreciar a questão não seria especialmente alarmante haja vista a notoriedade que permeia a velocidade do Poder Judiciário, sendo quase utópico se esperar celeridade do tribunal.

Contudo, o que se percebe no presente caso é que, no ínterim que tem se decorrido entre o julgamento do RE 574.706 e o julgamento dos embargos, a Fazenda Nacional tem reiteradamente adotado posições que restringem os direitos dos contribuintes. Isso porque, a partir do julgamento do RE 574.706 pelo STF, diversas decisões autorizando a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins passaram a transitar em julgado, impactando em elevada “perda” para os cofres públicos. O que se nota é que a Fazenda Nacional tem se aproveitado do silêncio do STF para amenizar a mencionada “perda”, editando normas que se mostram contrárias à tese definida pelo Tribunal.

A primeira manifestação do Fisco pós-julgamento do RE 574.706 se deu por meio da edição da Solução de Consulta Interna COSIT nº 13/2018 pela Receita Federal, cuja observância é obrigatória pelas autoridades fiscais.

De acordo com essa solução, o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS/Cofins é aquele apurado pelos contribuintes e efetivamente recolhido, em oposição à argumentação dos contribuintes de que o valor a ser excluído seria o valor do imposto destacado nas notas fiscais por eles emitidas. Para embasar a edição de tal norma, a Receita Federal indicou que, no julgamento do RE 574.706, o STF teria firmado entendimento majoritário no sentido de que o montante a ser excluído da base de cálculo mensal das contribuições é o valor mensal do ICMS a recolher.

Da análise do inteiro teor da SC COSIT nº 13/2018, identifica-se a transcrição de alguns dos votos proferidos pelos ministros do STF nos quais se pode verificar a indicação de que o ICMS pago não compõe a base de cálculo do PIS/Cofins. A esse respeito, foi colacionado trecho do voto — vencido — do ministro Edson Fachin, segundo o qual “a controvérsia posta em juízo cinge-se em definir se o valor recolhido a título de ICMS consiste em faturamento, ou mesmo receita em contexto mais amplo, do contribuinte, por sua vez base de cálculo das contribuições para o PIS e a Cofins”.

Tal argumento, contudo, não pode ser utilizado para se inferir (a partir de uma intuição infundada) sobre qual ICMS deve ser retirado da base de cálculo das contribuições sociais em comento estava se referindo o STF. Até porque o próprio ministro Fachin também afirmou, em seu voto vencido, que “firma-se convicção no sentido de que o faturamento, espécie do gênero receita bruta, engloba a totalidade do valor auferido com a venda de mercadorias e a prestação de serviços, inclusive o quantum de ICMS destacado na nota fiscal”.

É importante mencionar, ainda, que o próprio STF já se manifestou — após o julgamento do RE 574.706 — que o ICMS a ser excluído seria aquele destacado nas notas fiscais, e não o valor efetivamente recolhido. Em decisão monocrática proferida na análise do recurso extraordinário 954.262, o ministro Gilmar Mendes afirmou que, na análise do RE 574.706, “o Supremo Tribunal Federal afirmou que o montante de ICMS destacado nas notas fiscais não constitui receita ou faturamento, razão pela qual não podem fazer parte da base de cálculo do PIS e da Cofins”.

No mesmo sentido da SC COSIT nº 13/2018, o Fisco se manifestou novamente por meio da edição da Instrução Normativa (IN) nº 1.911/2019. A norma, expedida como forma de atualização e consolidação de toda a regulamentação a respeito do PIS e da Cofins, é até louvável no que diz respeito à tentativa de simplificação do sistema tributário nacional, na medida em que consolida regras que até então eram extremamente esparsas.Porém, mais uma vez reforçou o entendimento da Fazenda Nacional com relação ao ICMS, que deve ser retirado da base de cálculo das contribuições sociais. Uma vez mais manifesta a total irresponsabilidade da Receita Federal em não reconhecer o julgamento realizado em sede de repercussão geral pelo STF.

Não obstante, a IN nº 1.911/2019, além de acentuar as ilegalidades já manifestadas na SC COSIT nº 13/2018 sobre a exclusão apenas do ICMS recolhido da base de cálculo do PIS/Cofins, revogou o dispositivo até então vigente da Instrução Normativa nº 404/2004, que permitia que os contribuintes do regime não cumulativo do tributo apurassem créditos das contribuições sobre o custo de aquisição de bens e serviços, incluindo o ICMS eventualmente embutido nas notas fiscais de aquisição.

Ou seja, a IN nº 1.911/2019 instituiu um cenário de “dupla vantagem” para a Fazenda Nacional: para fins de cálculo do PIS e da Cofins, a norma determina que apenas o ICMS efetivamente recolhido deve ser excluído da base de cálculo; por outro lado, a IN estabelece que todo o ICMS destacado nas notas fiscais deve ser excluído da base de apuração de créditos das contribuições.

Portanto, na pendência do julgamento — pelo STF — dos embargos de declaração apresentados pela Fazenda Nacional contra a decisão proferida pelo tribunal no RE 574.706, o que se tem vivenciado é um cenário de completa insegurança jurídica. Os contribuintes, que deveriam se ver resguardados de seu direito de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, na verdade se encontram à mercê da Fazenda Nacional e de sua interpretação abusiva e em desconformidade com a tese definida pelo STF. Resta aguardar a apreciação do recurso pelo STF para que a discussão tenha finalmente o desfecho necessário.

*Colaborou Pedro Cunha, advogado do escritório Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados.
[1]Lei Complementar nº 7/1970: “Art. 3º-O Fundo de Participação será constituído por duas parcelas: […] b) a segunda, com recursos próprios da empresa, calculados com base no faturamento […]” Lei Complementar nº 70/1991: “Art. 2° A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza.”

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