O tema se torna ainda mais delicado em razão das normas de direito civil que disciplinam o assunto
Nas palavras de Alfredo de Assis Gonçalves Neto[1], “por retirada costuma-se designar qualquer das formas pelas quais ocorre a saída voluntária de sócio de uma sociedade”. Outras concepções doutrinárias conceituam o instituto como um direito potestativo, de declaração unilateral de vontade, que impõe à sociedade a obrigação de reembolsar àquele que exerceu o direito de retirada sua participação social. Em qualquer dos casos, o direito de retirada representa o direito que o sócio tem de, por iniciativa própria, desligar-se da sociedade, mediante recebimento do valor das quotas que lhe pertenciam. A polêmica, entretanto, consiste em saber as hipóteses em que o sócio pode exercer o intitulado direito de retirada quando não há previsão expressa no contrato social das condições para seu exercício.
Para compreender melhor a questão, é fundamental confrontar as normas legais que já trataram do assunto. O direito de retirada foi introduzido ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do artigo 15 do Decreto 3.708/1919[1], o mesmo que regulamentou a sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Nas regras do dispositivo legal, o exercício do direito de retirada tinha como pressuposto inafastável a dissidência de um sócio quanto à uma alteração do contrato social imposta por sócios em maioria de capital[2]. Ou seja, o direito de retirada de sócio da sociedade restringia-se aos casos de modificação do contrato social aprovada pela maioria, de forma que não poderia ser exercido a qualquer tempo e modo.
Acontece que, em razão das limitadas hipóteses para exercício do direito de retirada, surgiu à época forte corrente doutrinária defendendo a amplitude de situações em que um sócio poderia manifestar sua vontade de retirar-se da sociedade. O fundamento legal dessa corrente era o artigo 335, 5, do Código Comercial de 1850, que autorizava a dissolução de sociedade por mera vontade de um dos sócios desde que se tratasse de sociedade por tempo indeterminado.
Com o advento do Código Civil de 2002, que expressamente revogou o Código Comercial de 1850, o tema foi novamente tratado. Em um capítulo específico[1] destinado à regulamentação das sociedades limitadas, o legislador, seguindo a mesma linha do Decreto de 1919, dispôs no artigo 1.077[2] que o direito de retirada advém da discordância do sócio em casos de modificação do contrato social aprovada pela maioria. Doutrinariamente, a regra ficou conhecida como retirada motivada, já que condicionava o exercício do direito à um pretexto próprio (vide a dissidência do sócio de uma alteração do contrato social.)
De fato, o Código Civil autoriza a aplicação das normas de sociedades simples às sociedades limitadas nos casos em que não houver disposição própria, por força do artigo 1.053 do Código Civil[1]. Contudo, o capítulo que trata das sociedades limitadas contém norma específica para exercício do direito de retirada, de modo que outra parte da doutrina defende não ser possível permitir a retirada imotivada em sociedades limitadas.
Como se pode ver, a discussão sobre o tema não é rasa e se aprofunda ainda mais caso analisada — ainda que equivocadamente — sob o preceito constitucional de que ninguém é obrigado a permanecer-se associado (artigo 5º, XX, Constituição Federal[1]) e sob a ótica do princípio da affectio societatis, princípio basilar do direito societário que defende que a sociedade pressupõe a vontade dos seus sócios em sua formação e manutenção.