O tema se torna ainda mais delicado em razão das normas de direito civil que disciplinam o assunto

Uma questão polêmica muito discutida nas esferas judiciais e extrajudiciais é o direito de retirada de sócio da sociedade. Especificamente se tratando de sociedade limitada de prazo indeterminado, o tema se torna ainda mais delicado em razão das normas de direito civil que disciplinam o assunto.

Nas palavras de Alfredo de Assis Gonçalves Neto[1], “por retirada costuma-se designar qualquer das formas pelas quais ocorre a saída voluntária de sócio de uma sociedade”. Outras concepções doutrinárias conceituam o instituto como um direito potestativo, de declaração unilateral de vontade, que impõe à sociedade a obrigação de reembolsar àquele que exerceu o direito de retirada sua participação social. Em qualquer dos casos, o direito de retirada representa o direito que o sócio tem de, por iniciativa própria, desligar-se da sociedade, mediante recebimento do valor das quotas que lhe pertenciam. A polêmica, entretanto, consiste em saber as hipóteses em que o sócio pode exercer o intitulado direito de retirada quando não há previsão expressa no contrato social das condições para seu exercício.

[1] GONÇAVELS NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 463.

Para compreender melhor a questão, é fundamental confrontar as normas legais que já trataram do assunto. O direito de retirada foi introduzido ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do artigo 15 do Decreto 3.708/1919[1], o mesmo que regulamentou a sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Nas regras do dispositivo legal, o exercício do direito de retirada tinha como pressuposto inafastável a dissidência de um sócio quanto à uma alteração do contrato social imposta por sócios em maioria de capital[2]. Ou seja, o direito de retirada de sócio da sociedade restringia-se aos casos de modificação do contrato social aprovada pela maioria, de forma que não poderia ser exercido a qualquer tempo e modo.

[1] GONÇAVELS NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 463.
[2] Art. 15. Assiste aos sócios que divergirem da alteração do contrato social a faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia correspondente ao seu capital, na proporção do ultimo balanço aprovado. Ficam, porém, obrigados às prestações correspondentes às quotas respectivas, na parte em que essas prestações forem necessárias para pagamento das obrigações contraídas, até à data do registro definitivo da modificação do estatuto social.
[3] Parecer Alfredo de Assis Gonçalves Neto – Dissolução/retirada em limitada, dissolução parcial de S/A e liberdade de associação constitucional.

Acontece que, em razão das limitadas hipóteses para exercício do direito de retirada, surgiu à época forte corrente doutrinária defendendo a amplitude de situações em que um sócio poderia manifestar sua vontade de retirar-se da sociedade. O fundamento legal dessa corrente era o artigo 335, 5, do Código Comercial de 1850, que autorizava a dissolução de sociedade por mera vontade de um dos sócios desde que se tratasse de sociedade por tempo indeterminado.

Ao longo do tempo, os dois institutos — o do direito de retirada e o da dissolução parcial de sociedade — passaram a se confundir, de modo que tanto a jurisprudência quanto a doutrina os encaravam como uma coisa só. Desse modo, as hipóteses de exercício de direito de retirada, na prática, não se restringiam à hipótese legal de alteração do contrato social (art. 15, Decreto 3.708/19).

Com o advento do Código Civil de 2002, que expressamente revogou o Código Comercial de 1850, o tema foi novamente tratado. Em um capítulo específico[1] destinado à regulamentação das sociedades limitadas, o legislador, seguindo a mesma linha do Decreto de 1919, dispôs no artigo 1.077[2] que o direito de retirada advém da discordância do sócio em casos de modificação do contrato social aprovada pela maioria. Doutrinariamente, a regra ficou conhecida como retirada motivada, já que condicionava o exercício do direito à um pretexto próprio (vide a dissidência do sócio de uma alteração do contrato social.)

No entanto, ao tratar das sociedades simples, o legislador possibilitou ao sócio de sociedade por tempo indeterminado se retirar desta sem razão específica, o que foi tratado pela doutrina como retirada imotivada (artigo 1.029 do Código Civil). Por sua vez, a criação desse instituto deu margem para que fosse retomada a discussão acerca das hipóteses de retirada de um sócio de sociedade limitada por tempo indeterminado. Isso porque a regra do artigo 1.077 restringe as possibilidades de um sócio se retirar da sociedade, enquanto a regra do artigo 1.029 se demonstra ampla, de forma que parte da doutrina passou a defender sua aplicação nos casos de sociedade limitada em razão de omissão do legislador.

De fato, o Código Civil autoriza a aplicação das normas de sociedades simples às sociedades limitadas nos casos em que não houver disposição própria, por força do artigo 1.053 do Código Civil[1]. Contudo, o capítulo que trata das sociedades limitadas contém norma específica para exercício do direito de retirada, de modo que outra parte da doutrina defende não ser possível permitir a retirada imotivada em sociedades limitadas.

Como se pode ver, a discussão sobre o tema não é rasa e se aprofunda ainda mais caso analisada — ainda que equivocadamente — sob o preceito constitucional de que ninguém é obrigado a permanecer-se associado (artigo 5º, XX, Constituição Federal[1]) e sob a ótica do princípio da affectio societatis, princípio basilar do direito societário que defende que a sociedade pressupõe a vontade dos seus sócios em sua formação e manutenção.

[4] Livro II, Título II, Subtítulo II, Capítulo IV.
[5] Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.
[6] Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

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