O mercado de capitais brasileiro foi alvo de inúmeros escândalos de corrupção no decorrer dos últimos anos, que envolveram tanto o setor público quanto o privado. Com isso, além da repercussão negativa na credibilidade de algumas das grandes companhias abertas do País, é inegável que muitos acionistas foram lesados com o desvio de recursos e com as desvalorizações acionárias decorrentes dos referidos escândalos.
Para o desenvolvimento de um mercado econômico, os investidores precisam ter garantias de que seus direitos serão respeitados pela companhia, pelos administradores e pelos controladores. Ou seja, precisam ter um respaldo regulatório e procedimental de que não haverá abusos de direito e que, se houver, os responsáveis serão punidos. No entanto, observa-se que o mercado de capitais no Brasil não é muito desenvolvido. Ora, tomadas de decisão estão sempre atreladas a uma avaliação de “risco versus benefício”, e, em um país onde a estrutura legislativa é extremamente complexa, e mesmo assim não há garantias efetivas aos direitos dos acionistas, é possível compreender o subdesenvolvimento desse mercado.
O resultado disso não poderia ser outro, senão a inércia dos investidores e acionistas no Brasil. A morosidade judiciária, a burocracia legislativa, os elevados custos e os riscos que envolvem o acionamento da justiça freiam os anseios de se buscar uma tutela reparatória. Resta a eles, portanto, recorrer à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que acaba por sobrecarregar a autarquia com solicitações que, em um cenário favorável, poderiam ser perseguidas pelos próprios acionistas, individual ou coletivamente.
A arbitragem como resolução de conflitos
A morosidade da tramitação dos procedimentos judiciais é um dos principais problemas. E ainda que tenham sido criadas varas empresariais especializadas como alternativa às varas comuns, a resolução dos litígios ainda demanda um longo tempo de duração, dada a complexidade dos temas envolvidos. Vale lembrar que, desde 2001, a Lei das Sociedades Anônimas autoriza o estatuto social das companhias a estabelecer que as divergências existentes no âmbito dos interesses relacionados à companhia sejam solucionadas mediante arbitragem (artigo 109, § 3º). Desde então, em busca de uma maior efetividade na resolução de litígios empresariais, a arbitragem vem ganhando destaque.
A Bolsa de Valores de São Paulo, atualmente denominada B3, possui diferentes segmentos especiais de listagem para companhias abertas, que foram criados para desenvolver o mercado de capitais brasileiro. Esses segmentos prezam por regras de governança coorporativa diferenciadas e, alguns deles, como o Novo Mercado, impõem a inclusão obrigatória de cláusula compromissória no estatuto social.
Nesse sentido, em um recente estudo realizado pelo Grupo de Trabalho da CVM, apurou-se que, na data base de 31 de dezembro de 2018, de um total de 400 companhias abertas listadas na bolsa de valores mobiliários, 179 (44,75%) estavam listadas em segmentos que impõe a inclusão de cláusula de arbitragem no estatuto social, o que reflete o movimento das companhias para estes segmentos. Afinal, estes regulamentos asseguram mais direitos aos acionistas, e o nível de financiamento de empresas está diretamente relacionado com as garantias e a efetividade legislativa opostas aos potenciais acionistas e credores.
No entanto, ainda que obrigatória, a arbitragem possui “problemas” que foram minuciosamente abordados no mesmo relatório do estudo realizado e publicado pelo Grupo de Trabalho da CVM.
Obstáculos envolvendo processos arbitrais
A arbitragem possui regras próprias atinentes à confidencialidade do procedimento, mas o sigilo deveria afetar, tão somente, casos que versem sobre tutelas estritamente individuais. É verdade que, para as companhias abertas, existe a possibilidade de que o litígio submetido à arbitragem deva ser considerado fato relevante e, consequentemente, seja necessário a divulgação do fato ao mercado, na forma do artigo 157, §4º da Lei das S.As. e da Instrução CVM nº 358. Contudo, esse regime de publicidade é insuficiente, tendo em vista que não é qualquer arbitragem que pode ser considerada como fato relevante e, além disso, as regras que determinam a divulgação do fato relevante não determinam o conteúdo da divulgação. Assim, as divulgações acabam ocorrendo no limite do seu teor necessário, com baixo nível de detalhes e sem a disponibilização de documentos.
Percebe-se, ainda, que muitas vezes a arbitragem tutela direitos coletivos que estão sendo discutidos individualmente e, então, a ausência de divulgação acaba por privar os acionistas que não são partes do procedimento da possibilidade de aderir para reivindicar seus direitos. Concordamos, portanto, com a sugestão trazida pelo Grupo de Trabalho, de comunicar a CVM sobre a instauração de procedimentos relacionados às matérias de sua competência, a qual, se assim entender, dever promover a divulgação.
Os custos que envolvem a instauração de um procedimento arbitral também são um problema, uma vez que as elevadas taxas e honorários dos árbitros constituem um óbice, especialmente para as hipóteses em que os custos possam superar o benefício econômico vislumbrado pelo acionista. Entretanto, derrubar o sigilo, ou ao menos amenizá-lo, pode ser uma saída para unir os acionistas que possuem interesses semelhantes e, ainda, proporcionar um rateio das despesas incorridas com o procedimento. Além disso, a divulgação de determinados procedimentos arbitrais poderá permitir que o mercado e os acionistas participem ou usufruam dos benefícios de uma decisão erga omnes [que atinja todos os envolvidos].
Conclusão
Não pretendemos esgotar todo o assunto com a presente análise, afinal, ainda existem diversos problemas, com divergência doutrinária relevante em relação aos aspectos de legitimidade, arbitragens coletivas, procedimentos adaptados a múltiplas partes, entre outros. Cabe salientar que esses temas foram mencionados no estudo, e serão objeto de aprofundamento pelo Grupo de Trabalho da CVM.
Por fim, o Princípio II do documento “Princípios de Governança Corporativa”, do G20/OCDE expõe que “a confiança dos investidores minoritários é reforçada quando o sistema jurídico fornece mecanismos que permitam aos acionistas minoritários encetar ações judiciais, quando têm motivos razoáveis para crer que os seus direitos foram violados.”
Deve-se ressaltar, portanto, a importância de resguardar os direitos dos investidores por meio da adaptação dos procedimentos de resolução de conflitos, de modo que torne viável aos acionistas lesados a perquirição de uma tutela reparatória. Assim, estabelecido um elo de confiança entre os investidores nacionais e internacionais, e as companhias brasileiras, estas terão maior probabilidade de êxito na captação de recursos.
Fonte: Legislação & Mercados (Capital Aberto)