No artigo A (in)eficácia dos meios de tutela reparatória dos direitos dos acionistas no procedimento arbitral, publicado anteriormente no Legislação & Mercados, fizemos uma análise crítica aos meios de tutela reparatória dos direitos dos acionistas no mercado de capitais brasileiro no que diz respeito, principalmente, às peculiaridades que envolvem o procedimento arbitral. Este artigo dá continuidade à análise, mas, desta vez, sob o prisma do procedimento judicial e os aspectos da Lei nº 6.404/76 — a Lei das Sociedades por Ações (Lei das S.As.).

Embora o procedimento arbitral tenha ganhado relevância e aplicabilidade ano após ano, o procedimento judicial ainda é o método de resolução de conflitos mais difundido e acessível à população, motivo pelo qual não podemos deixar de analisá-lo sob um viés crítico.

Já mencionamos que a morosidade da tramitação dos procedimentos judiciais é um de seus principais problemas e que, ainda que tenham sido criadas varas empresariais especializadas como alternativa às varas comuns, a resolução dos litígios ainda demanda um longo tempo de duração, dada a complexidade dos temas envolvidos.

Os principais mecanismos de reparação de investidores disponíveis no Brasil estão além da competência administrativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tendo em vista que, em regra, a autarquia não participa e em alguns casos sequer possui conhecimento de ações judiciais individuais envolvendo companhias abertas ou outros participantes do mercado.

Para as hipóteses de ações coletivas por danos sofridos no mercado de capitais, as Leis nº 7.347/85 e nº 7.913/89 regulam a legitimidade ativa do Ministério Público, da CVM e das associações de investidores. Contudo, de acordo com um estudo¹, até 2007 haviam sido ajuizadas somente nove ações coletivas com base nessas leis. Em um segundo estudo² ainda mais recente, publicado em 2018, constatou-se que apenas duas ações civis públicas envolvendo companhias de capital aberto haviam sido ajuizadas pelo Ministério Público com a atuação da CVM como amicus curiae. Vemos, portanto, que as ações civis públicas não são uma ferramenta de tutela efetiva para os problemas relacionados ao mercado de capitais brasileiro³.

Além disso, existem outros requisitos procedimentais previstos pela Lei das S.As. que ainda constituem uma barreira processual e burocrática à perseguição da reparação civil pelos acionistas lesados, em especial os minoritários. Vejamos um exemplo: quando são aprovadas as contas do administrador, impera a exoneração da sua responsabilidade civil (art. 134, § 3º)4, motivo pelo qual faz com que, caso seja averiguado algum ilícito posterior, seja necessário anular a deliberação que aprovou as contas (art. 286) para tão somente depois ser possível deliberar em assembleia geral pela propositura de ação de responsabilidade civil pela companhia contra o administrador responsável.

Quando se trata de companhias com uma grande dispersão acionária ou quando o controle societário é muito concentrado, mostra-se difícil que acionistas minoritários atuando em conjunto atinjam o percentual mínimo de 5%, previsto pelo art. 159, §4º da Lei das S.As.5, para propor uma ação de responsabilidade civil. E, ainda que a lei faculte à CVM a competência para reduzir determinados limites, inclusive o previsto pelo art. 159, ainda não foi emitida nenhuma norma a respeito desta matéria6.

Superados todos estes entraves, ainda que o resultado da ação manejada seja favorável, quaisquer valores eventualmente recuperados pela decisão judicial deverão ser transferidos à companhia, e não aos autores da ação judicial, uma vez que a ação é movida em nome da própria companhia. Assim, o benefício auferido pelos acionistas será indireto, com o aumento dos ativos da companhia, cujo benefício econômico auferido pulverizar-se-á perante todos os acionistas, até mesmo com relação aos que não participaram da ação judicial.

Na hipótese de ajuizamento de uma ação de responsabilidade civil contra administrador ou controlador, pelos danos diretamente sofridos por determinado acionista, este deverá prestar caução pelas custas e honorários de advogado devidos no caso de a ação ser julgada improcedente — valores estes que só serão reembolsa­dos em caso de decisão favorável e até o limite da indenização concedida. Em outras pa­lavras, os acionistas que propuserem uma ação direta ou derivada devem assumir integralmente o risco de uma decisão adversa. Nesse caso, os reclamantes também terão que arcar com o ônus sucumbencial. O resultado disso é um claro desestímulo para que os acionistas ajuízem ações de responsabilidade civil contra abusos de controladores e administradores.

É verdade que a lei previu mecanismos na tentativa de criar um incentivo para que o acionista busque a efetividade de seus direitos, tal como a regra que garante ao acionista autor da ação receber um pagamento do acionista controlador, equivalente a 5% do valor total da indenização, em caso de êxito na ação (art. 246, §2º, da Lei das Sociedades por Ações). Ainda assim, essa norma, até hoje, não parece representar estímulo o suficiente para mitigar o risco imposto aos acionistas interessados no ajuizamento, que se traduz pela morosidade da tramitação, insegurança inerente ao contencioso societário e ao ônus sucumbencial.

Ao criar requisitos para a propositura de uma ação de responsabilidade civil, é clara a intenção do legislador em evitar a instauração de ações aventureiras, mas, de igual maneira, representam barreiras para o acesso ao judiciário. As propostas mais modernas de reforma da Lei das S.As. deveriam seguir em linha com as recentes iniciativas da CVM no sentido de oferecer incentivos apropriados aos acionistas que venham a ajuizar ações legítimas e fundamentadas de responsabilidade contra controladores, administradores e até mesmo minoritários que atuarem em abuso ou de forma ilegal, de modo a reduzir os custos e os riscos oriundos da perseguição de uma tutela reparatória de danos.

Fonte: Legislação & Mercados (Capital Aberto)


1 ZACLIS, Lionel. Proteção coletiva dos investidores no mercado de capitais. São Paulo: RT, 2007, p. 178-183.

2 PRADO, Viviane Muller. Os desafios para o ressarcimento de investidores. Em: CARVALHOSA, Modesto; LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros; WALD, Arnoldo (coords.). A responsabilidade civil da empresa perante os investidores. São Paulo: Quartier Latin, 2018, pp. 386.

3 O estudo realizado pelo Grupo de Trabalho da CVM justifica o baixo índice de ajuizamento de ações civis públicas com base na competência excessivamente ampla do Ministério Público e da CVM, que faz com que canalizem seus esforços em setores diversos, deixando a busca de indenizações no âmbito do Mercado de Capitais para a atuação privada.

4 Art. 134. Instalada a assembleia-geral, proceder-se-á, se requerida por qualquer acionista, à leitura dos documentos referidos no artigo 133 e do parecer do conselho fiscal, se houver, os quais serão submetidos pela mesa à discussão e votação. […] § 3º A aprovação, sem reserva, das demonstrações financeiras e das contas, exonera de responsabilidade os administradores e fiscais, salvo erro, dolo, fraude ou simulação (artigo 286).

5 Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio. […] § 4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social.

6 Não obstante, a CVM submeteu à audiência pública uma minuta de instrução que fixa escala reduzindo, em função do capital social, as porcentagens mínimas de participação acionária necessárias à propositura da ação derivada contra os administradores, e à propositura de ação de responsabilidade contra sociedade controladora, sem prestação de caução. O prazo para as manifestações com sugestões e comentários acerca da matéria findou-se em 06/12/2019 e é provável que seja deliberada uma nova instrução CVM regulamentando a matéria.

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